Pedro Pedreira era um menino esperto, sagaz. Morava na quebrada, vivia soltando pipa na laje de casa, de vez em quando caía, mas ninguém sabia. Pedreira não era de levar choro, nem desaforo pra casa, resolvia tudo na rua, no grito e, às vezes, no sopapo. Se o negócio fosse para esse lado, era pernada e outros golpes que aprendeu com o mestre Chapeleta, um capoeirista considerado na quebrada. Por falar na quebrada, segue o nome da comunidade, Vila Ribeiro, lugar onde o bicho pega e coisa ruim não se cria. Lugar de sujeito homem, mesmo se tu for viado ou mulhé. Se não ficar esperto, vai pro saco mais cedo. Pedro, Pedreira, Pedroca, Preto, Petroca... O nego tinha um apelido em cada cantinho da favela, da comunidade carente...
- Carente mermo, farta tudo, não tem luz que preste, água fede e o esgoto tá ai mermo, na tua cara.
Assim dizia, gritava dona Branca, mulher estrepada, metida com feitiçaria, que de branca só tinha o nome. Era uma senhora bem pequenininha, negra, mas negra, tão negra, que quando faltava luz na quebrada a velha sumia que ninguém via. Ainda bem que sorria; aí os dentes luziam e todo mundo da velha corria. Tempo bom esse! Depois tudo muda, não é justo mudar pra pior e ainda mais pra mim que tô aqui vendo o sol nascer quadrado, detrás das grades, embucetado, amarrado até a alma... Merda de vida de presidiário. Mas onde parei com a prosa? Falava do Pedro, do Pedro livre, Pedro Maluco e perigoso. Pedro foi crescendo na quebrada e era respeitado pelo seu vigor físico de decisão. Ou era como ele queria ou tu ficava e ele ia ( tá ligado?). Mas pra encurtar essa história, vou contar de uma vez só, que Pedro, o Pedreira, tinha medo de uma coisa... Por mais macho que fosse e é, morria de medo de mulher... Toda vez que as meninas queriam uma conversa mais íntima com ele, o bicho tremia. A molequeda estranhava.
- Porra, Pedro, Deinha tá te dando maior mole e tu aí com essa cara de não sei não. Mete a pica nela, ou tu é viado?
- Não é assim não, mulher muito oferecida quer logo arrumar barriga, tô fora.
No fundo, Pedro se borrava de medo de fazer sexo, era virgem, ficava com vergonha da coisa não funcionar direito, de amarelar e depois as mulheres contarem pra todo mundo que ele era broxa. Tinha um medo que se borrava, dava gagueira, calafrios e o escambau. Um belo dia, foi morar na comunidade, uma negrinha, magrinha, rostinho de anjinho, coisinha de capa de revista, linda. Os rapazes da quebrada ficaram loucos. Mas ela já conhecia a fama do Pedro que nessa época já era traficante procurado, tesoureiro da boca, nunca tinha sido preso porque era importante no movimento, já que não usava droga, era bom de matemática e escrevia muito bem, era o compositor oficial da escola de samba da quebrada... Pedro tinha contexto, era bem chegado, andava sempre bem arrumado, tipo de bom partido da favela. Essa molecada, boa assim, só vai presa se vacilar. Só sei que a mina se amarrou no negão. Quando Pedro ficou sabendo disso, ficou todo feliz. Ela era uma mulher linda, então ele só andava na beca, mais ainda... De perfuminho e tudo. Um dia a menina passou perto dele e disse:
- E aí, Pedrinho, quando é que você vai aparecer lá no meu barraco pra pedir minha mão em namoro pro meu velho, de quebra tu ainda vai levar o resto do corpo, tá esperando o quê? Convite?
Pedro não conseguiu falar nada, ficou branco de vergonha. Os amigos sempre na cola de Pedroca.
- Qual é Pedro? Tu tá arregando pra Fatinha também? A mulhé tá doida na tua... Ou tu pega ou sai de cima! Ela falou que enquanto você não dé a negativa ela se guarda pra tu. Porra negão! Se tu não quer, passa a bola, porque tem que quer. Tá ligado.
Pedro queria, até sonhava com a Fatinha. Um dia sonhou que eles foram passear na praia e tinha sido ótimo, os dois na areia, correndo, feito dois pombinhos apaixonados. Acordou de pau duro, tocou uma punheta pensando nela. Mas, na real, ele não sabia o que fazer... Nunca tinha beijado uma mulher, sexo então, nem se fala... Tremia de medo... Deve ser coisa de família, trauma. Sei lá. Ele não falava disso com ninguém, mas sempre pensava na mãe dele. Quando ele era bem pequenino, a mãe ganhava uns bicos fazendo a felicidade da coroada da comuna, ali mesmo no barraco, na frente das crianças. Toda a noite era a mesma coisa. Fingia dormir, mas ficava lá, espiando a mãe ser enrabada. Só podia ser isso. Mas essa mulher, a Fatinha, mexeu fundo e ele precisava tomar alguma providência.
- Porra, tô fudido. Mas eu sou bacana, tem que dar certo... Vou me arrumar. Botar uma beca legal, um tênis da hora, meu melhor relógio e vou encontrar essa mulhé no ponto de ônibus, eu sei que horas ela chega do curso.
Dito e feito, quando deu seis horas, ele ‘tava lá... Todo nervoso ensaiando o que dizer. Quando Fatinha desceu do ônibus, ele ficou tão alvoroçado que ficou com vontade de ir ao banheiro, soltar um barro... Correu no boteco mais próximo e foi aquela desgraça. Limpou o cu sujo e correu para alcançar sua amada. Nesse tempo Pedro só andava armado na quebrada, uma prateada pra ganhar respeito e outra pra se proteger, nunca tinha matado ninguém, mas sabia que tinha que ficar ligado na competição. Correu e atravessou a viela. Antes de virar na rua onde estava a Fatinha, viu uma luz de sirene de camburão, barulho de porta, falação. Se escondeu no escuro e ficou espiando... Viu os policiais encostarem a menina na parede. A cena era a seguinte: Os policiais, três policiais, rindo, chamando a menina de putinha, que não tinha escapatória e que ela tava no papo. Entre eles, havia um conhecido, sujeito mau pacas, o famoso Beicinho Rachado, era candidato a vereador da quebrada e tava envolvido com esquema das milícias... Beicinho adorava bolinar as meninas da quebrada, principalmente as novinhas; tinha um monte de filho bastardo dele na favela. A molecada da quebrada era doida pra pegar o safado, mas todos sabiam que matar cana era caldo quente e merda fedida. Pedro ficou só ouvindo o entrevero do polícia com a menina.
- Aí piranha. O negocio é o seguinte, tu vai dar uma volta de carro com a gente, vai ter que ser gostosa com todo mundo que a gente tá de estresse e quer dar uma pra relaxar, nem adianta chorar que nenhum filho da puta aqui da quebrada vai fazer nada, tá tudo dominado, nós que manda aqui, somos das miliça, tá sabendo? Já ouviu falar das miliça, somos nós... Tu até vai gostar, vai querer repetir e tudo (risos).
Pedro viu quando dois homens se aproximaram da menina enquanto o Beicinho abria a porta de trás do camburão... Antes que os caras pudessem dizer alguma coisa, Pedro tomou coragem, sacou a arma e quando menos esperava já tinha derrubado dois com tiros certeiros na cabeça. Beicinho pulou aos gritos para dentro do camburão. A menina correu feroz e sumiu no escuro. Dona Branca, de longe, deu uma gargalhada de arrepiar cabelo de cu de macho. Pedro descarregou a arma na direção do navio negreiro, como é conhecido o camburão. O sangue escorreu pela porta até o chão, era um rio vermelho de sangue de filho da puta... Pedro correu rápido. Sabia que a merda era feia, se pegam ele ali na favela era morte certa e sem arrego. Chegou em casa, pegou uma mochila, encheu de biscoito, outras coisas pra comer e partiu veloz. Na saída da favela olhou para trás e a Fatinha tava vindo, ela olhou pra ele, abaixou a cabeça e correu chorando... Nunca mais Pedro iria ver aquela mulher, tava fadado a morrer virgem, mas pra ele tanto fazia àquela hora. Seguiu para estação de trem e de lá pode ver todo alvoroço, um monte de carro de polícia chegando, tiro pra todo lado. O trem chegou, Pedro vazou. Não havia mais o que fazer, a matança iria ser geral. Pedro achou que era covardia fugir e deixar os irmãos morrerem sozinhos, então desceu do trem na outra estação e voltou a pé beirando a linha. A esta hora, vagabundo já tinha dedado ele pros home... Antes de chegar à favela, um opala branco se aproxima com dois carcamanos da civil de armas pra fora do carro, logo depois um camburão. Pedro, como relâmpago de Xangô, ainda mata os caras do opala branco, sem que eles dessem um tiro. O camburão chega veloz por trás e atropela o garoto: 18 anos passaram na cabeça dele como flash. Só acordou no hospital, todo fudido. Tava cheio de repórter, dizem que não mataram ele na hora porque tinha TV em cima. O jornalista dizia em tom de reportagem:
- Preso o perigoso assassino de policiais, Pedro Pedreira. O bandido foi ferido, deu entrada no Souza Aguiar com múltiplas fraturas pelo corpo. No confronto o assassino ainda matou 5 policiais. O delegado diz que Pedro é procurado por mais de 45 assassinatos, voltamos a qualquer momento ao vivo aqui do hospital.
Pedro podia ouvir tudo isso, com seu corpo doendo e olhos fechados. Apesar de nunca ter matado ninguém até aquela noite, era conveniente que colocassem vários crimes nas costas do garoto. Afinal, seriam 45 crimes resolvidos. O delegado filho da puta disse com orgulho:
- Foram meses de investigação, quando tudo estava definido, invadimos a favela pra caçar este bandido perigoso, o rei da quebrada. Muitos inocentes acabaram sendo mortos ou feridos. Pedimos desculpas para todos da comunidade, mas a gente tem que se defender da bandidagem que mata polícia. Hoje morreram, no cumprimento do dever, cinco pais de família. Isto tem de acabar e nós estamos fazendo nosso trabalho com inteligência para que todos do bando de Pedreira sejam presos.
Dos olhos fechados de Pedro caíam lágrimas de ódio.
O tempo passou e passou. Só sei que hoje, tô preso, aqui em Bangu, eu mesmo, Pedro Pedreira, prisão de segurança máxima. Pra minha sorte, matador de poliça aqui é herói, então tiro onda. Aquela filha da puta, a Fatinha, nunca veio aqui nem para dizer obrigado. Fiquei sabendo que já tá no quarto filho de um monte de pai. Dei mole, mas também, esses putos queriam o que? Fogo neles! Aquele negócio de medo de mulher passou. Hoje nem sou mais virgem, os caras da quebrada, em dia de visita, sempre trazem um presentinho pra mim, visita intima (tá ligado?). A primeira nem foi tão ruim assim. Um dia conto pra vocês meus casos de cadeia, contos eróticos de um presidiário. Peguei pena máxima. Quando sair daqui, vou acertar contas com aquele delega filho da puta e com a putada que me dedou. Sou Pedro Pedreira, maluco e Perigoso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário