domingo, 19 de abril de 2009

A História de Zé Tatá

(Fato fictício- real)

Fortaleza, 1950.

Zé Tatá era um negrão de mais de um metro e noventa. Chamava atenção, por onde passava, por ser um homem, negro, forte, alto e belissimamente vestido de mulher. Ninguém tinha coragem de dizer qualquer coisa que ofendesse a integridade moral de Zé Tatá.
Vamos ao início da história deste personagem baiano que, nos anos 50 e mais, era a rainha do Carnaval de Rua de Fortaleza, Zé Tatá. José Benedito de Lima nasceu em Salvador, em 1929. Aos 2 anos de idade perdeu seu pai vítima de acidente em um treinamento militar. Filho único de mãe viúva. Foi criado em Fortaleza num conjunto habitacional do exército do Brasil. Sua mãe ganhava uma modesta pensão e tinha que trabalhar como empregada doméstica pra criar seu filho amado. Zé, como era conhecido pelos colegas, estudou no colégio Marista, onde também ganhou o apelido de Tatá. Dizem que, quando ele ficava nervoso ao ser repreendido pela professora, dizia: - Tá! Tá! Daí virou o Zé Tatá.
Quando menino, passou por todas as fases: levado, brigão, namorador... Sempre foi um aluno mediano, mas esforçado, e logo estava numa escola de Sargentos do Exército, onde estudou enfermagem. Na Escola Militar, descobriu que era diferente dos outros meninos: enquanto os outros tinham desejos sexuais por meninas, ele adorava ver os meninos pelados no vestiário. No início, achou estranho, mas rapidamente gostou da idéia. Ele se destacava em todas as atividades que fazia, era ótimo lutador, jogava futebol e queria participar de tudo que envolvia contato físico com os garotos da academia.
Quando Zé Tatá estava com 19 anos, foi convidado para se fantasiar de mulher e sair com um grupo de amigos pra desfilar no Carnaval do centro de Fortaleza. Pediu ajuda a sua mãe, que não estranhou, pois aquilo era costume de Carnaval. Ele, então, se montou e se transformou numa mulher de quase dois metros de altura. Salto altíssimo, vestido longo e maquiagem impecável. Decidiu não usar peruca, deixou seu cabelo natural, bem batido, como deve usar um militar.
Foi o dia mais feliz na vida de Zé Tatá! Lá foi ele, realizado, se sentindo uma verdadeira dama. Porém, na vida nem tudo são flores, logo que chegou ao centro, uma turma de machões bêbados resolveu brigar com os rapazes.

- Vamos dar porrada nessas raparigas, que não gosto de viado, alguém gritou.

Começou aquela pancadaria. Zé Tatá vinha mais atrás e, quando chegou perto viu os amigos dele sendo surrados por um bando de bêbados gritando ofensas. O sangue de Zé nunca ficou tão quente; deu um grito e partiu pra briga. Eram mais de vinte homens cercando o negrão. O primeiro que chegou perto levou um chute na cara, o salto alto arrancou sangue do dito cujo que já caiu semimorto. Os outros, ao se depararem com aquele travesti enorme, ficaram sem saber o que fazer. Zé Tatá partiu feroz para cima deles, derrubando um por um com socos, pontapés, cabeçadas, pernadas... Quando a polícia chegou, o quadro era de trinta homens no chão e uma bicha enorme, gritando, chorando e batendo em que chegasse perto. Foi preciso mais de dez policiais para conter a ira de Zé Tatá que foi preso e autuado como agressor e perturbador da ordem pública. Ninguém mais foi preso. Só não foi pior porque o Raimundo, um dos amigos que apanharam, o defendeu veementemente.

- Vocês não podem fazer isso, ele foi um herói, salvou nossas vidas. Explicou Raimundo para o delegado.

Zé passou a noite na cadeia e foi libertado no outro dia. Sua mãe ficou muito triste. Dizem que, por desgosto, morreu duas semanas depois, de enfarto. Zé Tatá nunca falava da morte de sua mãe, mas todo mundo sabia que ele se culpava. Meses depois, Zé Tatá é formado como Oficial Enfermeiro do Exército do Brasil. Chorou muito em sua formatura, por falta de sua mãe. Raimundo abraçou-se com o amigo e disse:

- Não fique assim, sua mãe agora está orgulhosa de você.

O que ninguém sabia é que, no dia que Zé Tatá saiu da cadeia, Raimundo foi recebê-lo. Os dois se olharam e se abraçaram. Zé sentiu que naquele abraço havia mais que amizade. Foram andando e começou a chover muito; para se protegerem da chuva, entraram em um pequeno galpão abandonado. Ficaram ali conversando, até que Raimundo arriscou um beijo na boca e Tatá não resistiu. Era a primeira vez que estava beijando um homem. Ali mesmo fizeram sexo e juras de amor eterno. Depois de formados, foram morar juntos. Todo mundo achou estranho, mas ninguém teve coragem de falar nada. Na intimidade, os dois estavam casando. Quando surgiram os rumores de que Zé Tatá e Raimundo tinham se juntado e eram gays, Zé tomou uma decisão, para acabar com a fofoca, que deixou Raimundo com medo.

- Raimundo, de hoje em diante, à noite, eu só saio vestido com roupas femininas.

Dito e feito, no intimo era uma vontade de Zé, que achara uma oportunidade. Imaginem o escândalo causado! Saiu até na imprensa local! Todos conheciam a fama de Zé de bom de briga e, por medo do "Grande Negrão", ninguém falava nada diretamente, nem seus superiores no quartel. Quando Zé Tatá chegava, vestido de mulher, aos recintos noturnos, todo mundo olhava com admiração, medo e respeito. Muitas vezes, tinha que usar a força; deu porrada em muito bêbado abusado, tendo sido preso por agressão inúmeras vezes. Raimundo ficava sem jeito, mas era apaixonado por Zé Tatá e os dois eram um lindo casal feliz.
Um belo dia aconteceu uma coisa que Zé chamou de presente. Alguém deixou em uma caixa, na porta de sua casa, um bebê de poucos meses de idade: uma menina. Zé e Raimundo pegaram para criar aquele neném e deram o nome de Ísis. Os dois cuidavam de Ísis como se fossem mães. No aniversário de um ano, Zé preparou uma festa e chamou os amigos e vizinhos.

(Bilhete)
No dia tal em tal hora farei uma festa para comemorar o aniversario de nossa filha, quem não comparecer vai entrar pra lista negra do negrão. Assinado Zé Tatá.

Todos foram ao aniversário da menina e levaram presentes caros. Foi um dia de princesa. Nesse dia, Zé Tatá colocou seu melhor vestido.
A menina Ísis cresceu feliz aos cuidados destes dois homens de verdade. Eles a puseram pra estudar nos melhores colégios da cidade. O tempo passou, Ísis cresceu e formou-se em medicina.
"Eram uma atípica família brasileira".

Raimundo morreu aos 70 anos. Zé Tatá viveu ainda dez anos sentindo muita saudade de seu companheiro fiel. Sua filha cuidou dele até os últimos dias de vida. Os dois vieram morar no Rio de Janeiro. Ìsis, quando se aposentou, comprou um modesto apartamento na Rua Figueiredo Magalhães, onde mora até hoje. Era o sonho de Tatá, morar em Copacabana.
Muitas foram às histórias vividas por Zé Tatá e companhia. Sempre bem vestido com roupas femininas, fora a rainha das noites cearenses. Zé Tata morreu, no Rio, aos 89 anos de idade, vítima de saudade da vida.

Copacabana, 2008

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