terça-feira, 21 de julho de 2009

O cachorro louco

Hoje fui comemorar meu aniversário em um bar onde ninguém me conhecia. Não convidei nenhum amigo, mesmo porque sou o cara mais solitário do mundo. Acho que é por conto do meu charme de alcoólatra inveterado. Quando fico bêbado eu sou capaz das mais bárbaras sinceridades. Quando estou sóbrio também. Escolhi um bar longe de casa para comemorar minha vida sem os que sofrem por mim. Deixem-me em paz os sociopatas e os normopatas. Gosto mesmo é dos bêbados e dos cachorros engarrafados. Não sou do tipo que fica jogando conversa fora e se jogo é para que todos saibam a verdade da vida. Que é dura e não tem pra quem chorar. Hoje completo 4.8. To rodado. No trabalho arriscaram uma festa surpresa pra mim. Quando cheguei vi que os funcionários estavam todos meio confusos, falando baixo. Até pude ouvir minha secretária negociando a hora da chegada do bolo. Antes que a coisa chegasse a vias de fatos, saí de lá dizendo que iria voltar logo e fui pra casa, para o meu ninho protegido. Desliguei o celular e há esta hora estão todos me procurando nos botecos por onde sempre ando. Deixem-me fazer aniversário sem as malditas convenções de falsidade. Sei que não sou a melhor pessoa do mundo. Só porque sou eu quem decide quando o pagamento deles vai sair, eles acham que podem me comprar com festinha. Odeio puxa saco, largo do meu saco carrapato. Cheguei ao bar e pedi uma garrafa do melhor wisque. O garçom vendo minha cara de poucos amigos me trouxe a garrafa e nem arriscou uma aproximação mais íntima. Fez muito bem. Cuidado! Cachorro louco.Tenho dois filhos, me ligaram cedo pedindo dinheiro para ir acampar com os amigos. Ainda bem que os meninos já me conhecem. Não disseram palavra sobre meu aniversário. Melhor assim. Como sou um pai filho da puta, disse a eles que não daria um tostão furado. - Onde já se viu, nem para parabenizar o pai. Só ligam para pedir dinheiro. Reclemai em tom de reprovação e bati o telefone. Adoro quando meus filhos me ligam pra pedir dinheiro, sempre tem aquele papinho: - e ai pai como você está? Corta essa onda e vai logo ao ponto. Digo sempre isso com uma voz de quem sabe o que está dizendo. - Quarenta? Pra quê trinta? Vinte é muito. Toma dez e divide com teu irmão.Minha ex-mulher, que por me aturar por 18 anos vai entrar no céu sem mostrar passe, nem se arrisca a me ligar. Ela que não se faça de besta e me ligue para dar os parabéns. Parece brincadeira, mas gosto de ser assim. Nunca pensei em ser como todo mundo. Cheio da mais nobre educação. Mando logo lamber sabão e coisa pior. No meu enterro quero contratar os que vão carregar o caixão. Não vem chorar no pé da tábua. Quem morreu fui eu. Para pra pensar que você vai até dar risada. Menos um filho da Puta no mundo. Hoje é um dia feliz pelo menos pra mim, acreditem. Estou próximo dos cinqüenta e tenho uma saúde de ferro. Ainda vou incomodar a vida de muita gente por ai.Uma coisa me deixa mais puto do que de costume, a falsidade. Outro dia resolvi comer minha vizinha que não parava de me dar mole fazia tempo. Marquei com ela no motel. Quando estou saindo de casa, no elevador, encontrei o corno do marido. O cara me olhou e me perguntou com aquela cara de Zé ruela: - O Sr vai bem? Perguntinha mais babaca essa. Se eu vou bem, pensei. Eu disse, olhando nos olhos dele, que a vida é boa e que em quanto existir corno no mundo darei pulos de alegria. Ele fechou o bico e não falou mais nada. Ficou com a pulga atrás do chifre. Cheguei ao motel e fui logo comendo aquela gostosa da mulher do babaca, a Sra. Babaca Piranha do 302. Bicho, não queira ser um cara desses. Posso garantir uma coisa a vocês, minha santa ex-mulher nunca me corneou. Ela chegava em casa eu metia a rola nela sem pena. Ficava de xereca assada. Ela só quis o divórcio porque comigo não tem diálogo besta. Toda vez que a mãe dela chegava lá em casa, com aquele discurso de velha chata, eu saia e só voltava quando o bicho ia embora. Ainda que fosse por semanas. Sou assim e quem quiser que me ature. Hoje sou dono de uma das maiores empresas de propaganda. Só administro. Tentei criar algumas campanhas, mas sempre esbarrava na porra da falsidade. Então contratei uma pá de mentiroso competente e toco o barco com frieza e tranqüilidade. Hoje, no dia do meu aniversário, matei uma garrafa de wisque e vou contratar umas meninas de programa, umas quatro que não gosto de festa vazia. Pedi ao garçom qualquer troço pra comer e mais uma garrafa, essa é pra levar. Cheguei em casa liguei para o disc piranha fácil e agora to aqui escrevendo pra passar o tempo enquanto as ninfetas não chegam. Escrevo pra deixar meu legado aos filhos da puta do futuro. Isso é um conto de auto-ajuda. Quem quiser aprender como levar uma vida sem problemas, escute o que escrevo. Não se envolva com outras pessoas. Deixa o circo lá e tu ficas de longe enchendo a cara e vendo a lona pegar fogo. Eu faço um tipo e assim vou levando. Não quero ser o melhor. Tento ser apenas um puto, um cachorro louco. Minha maneira de viver é pra quem tem coragem. Sem esse papo hippe de ser unidinho. Quem tem amigo é puta de zona. Sou mesmo é um depravado, alcoólatra que gosta de ganhar dinheiro à custa dos otários consumidores que preferem ficar em casa vendo televisão com o bundão de fora. Quem tem cú não faz trato com pica. Estão batendo à porta, devem ser as meninas que vieram comemorar meu aniversario. Vou nessa, voraz e mordedor como um bom cachorro louco.

domingo, 19 de abril de 2009

A História de Zé Tatá

(Fato fictício- real)

Fortaleza, 1950.

Zé Tatá era um negrão de mais de um metro e noventa. Chamava atenção, por onde passava, por ser um homem, negro, forte, alto e belissimamente vestido de mulher. Ninguém tinha coragem de dizer qualquer coisa que ofendesse a integridade moral de Zé Tatá.
Vamos ao início da história deste personagem baiano que, nos anos 50 e mais, era a rainha do Carnaval de Rua de Fortaleza, Zé Tatá. José Benedito de Lima nasceu em Salvador, em 1929. Aos 2 anos de idade perdeu seu pai vítima de acidente em um treinamento militar. Filho único de mãe viúva. Foi criado em Fortaleza num conjunto habitacional do exército do Brasil. Sua mãe ganhava uma modesta pensão e tinha que trabalhar como empregada doméstica pra criar seu filho amado. Zé, como era conhecido pelos colegas, estudou no colégio Marista, onde também ganhou o apelido de Tatá. Dizem que, quando ele ficava nervoso ao ser repreendido pela professora, dizia: - Tá! Tá! Daí virou o Zé Tatá.
Quando menino, passou por todas as fases: levado, brigão, namorador... Sempre foi um aluno mediano, mas esforçado, e logo estava numa escola de Sargentos do Exército, onde estudou enfermagem. Na Escola Militar, descobriu que era diferente dos outros meninos: enquanto os outros tinham desejos sexuais por meninas, ele adorava ver os meninos pelados no vestiário. No início, achou estranho, mas rapidamente gostou da idéia. Ele se destacava em todas as atividades que fazia, era ótimo lutador, jogava futebol e queria participar de tudo que envolvia contato físico com os garotos da academia.
Quando Zé Tatá estava com 19 anos, foi convidado para se fantasiar de mulher e sair com um grupo de amigos pra desfilar no Carnaval do centro de Fortaleza. Pediu ajuda a sua mãe, que não estranhou, pois aquilo era costume de Carnaval. Ele, então, se montou e se transformou numa mulher de quase dois metros de altura. Salto altíssimo, vestido longo e maquiagem impecável. Decidiu não usar peruca, deixou seu cabelo natural, bem batido, como deve usar um militar.
Foi o dia mais feliz na vida de Zé Tatá! Lá foi ele, realizado, se sentindo uma verdadeira dama. Porém, na vida nem tudo são flores, logo que chegou ao centro, uma turma de machões bêbados resolveu brigar com os rapazes.

- Vamos dar porrada nessas raparigas, que não gosto de viado, alguém gritou.

Começou aquela pancadaria. Zé Tatá vinha mais atrás e, quando chegou perto viu os amigos dele sendo surrados por um bando de bêbados gritando ofensas. O sangue de Zé nunca ficou tão quente; deu um grito e partiu pra briga. Eram mais de vinte homens cercando o negrão. O primeiro que chegou perto levou um chute na cara, o salto alto arrancou sangue do dito cujo que já caiu semimorto. Os outros, ao se depararem com aquele travesti enorme, ficaram sem saber o que fazer. Zé Tatá partiu feroz para cima deles, derrubando um por um com socos, pontapés, cabeçadas, pernadas... Quando a polícia chegou, o quadro era de trinta homens no chão e uma bicha enorme, gritando, chorando e batendo em que chegasse perto. Foi preciso mais de dez policiais para conter a ira de Zé Tatá que foi preso e autuado como agressor e perturbador da ordem pública. Ninguém mais foi preso. Só não foi pior porque o Raimundo, um dos amigos que apanharam, o defendeu veementemente.

- Vocês não podem fazer isso, ele foi um herói, salvou nossas vidas. Explicou Raimundo para o delegado.

Zé passou a noite na cadeia e foi libertado no outro dia. Sua mãe ficou muito triste. Dizem que, por desgosto, morreu duas semanas depois, de enfarto. Zé Tatá nunca falava da morte de sua mãe, mas todo mundo sabia que ele se culpava. Meses depois, Zé Tatá é formado como Oficial Enfermeiro do Exército do Brasil. Chorou muito em sua formatura, por falta de sua mãe. Raimundo abraçou-se com o amigo e disse:

- Não fique assim, sua mãe agora está orgulhosa de você.

O que ninguém sabia é que, no dia que Zé Tatá saiu da cadeia, Raimundo foi recebê-lo. Os dois se olharam e se abraçaram. Zé sentiu que naquele abraço havia mais que amizade. Foram andando e começou a chover muito; para se protegerem da chuva, entraram em um pequeno galpão abandonado. Ficaram ali conversando, até que Raimundo arriscou um beijo na boca e Tatá não resistiu. Era a primeira vez que estava beijando um homem. Ali mesmo fizeram sexo e juras de amor eterno. Depois de formados, foram morar juntos. Todo mundo achou estranho, mas ninguém teve coragem de falar nada. Na intimidade, os dois estavam casando. Quando surgiram os rumores de que Zé Tatá e Raimundo tinham se juntado e eram gays, Zé tomou uma decisão, para acabar com a fofoca, que deixou Raimundo com medo.

- Raimundo, de hoje em diante, à noite, eu só saio vestido com roupas femininas.

Dito e feito, no intimo era uma vontade de Zé, que achara uma oportunidade. Imaginem o escândalo causado! Saiu até na imprensa local! Todos conheciam a fama de Zé de bom de briga e, por medo do "Grande Negrão", ninguém falava nada diretamente, nem seus superiores no quartel. Quando Zé Tatá chegava, vestido de mulher, aos recintos noturnos, todo mundo olhava com admiração, medo e respeito. Muitas vezes, tinha que usar a força; deu porrada em muito bêbado abusado, tendo sido preso por agressão inúmeras vezes. Raimundo ficava sem jeito, mas era apaixonado por Zé Tatá e os dois eram um lindo casal feliz.
Um belo dia aconteceu uma coisa que Zé chamou de presente. Alguém deixou em uma caixa, na porta de sua casa, um bebê de poucos meses de idade: uma menina. Zé e Raimundo pegaram para criar aquele neném e deram o nome de Ísis. Os dois cuidavam de Ísis como se fossem mães. No aniversário de um ano, Zé preparou uma festa e chamou os amigos e vizinhos.

(Bilhete)
No dia tal em tal hora farei uma festa para comemorar o aniversario de nossa filha, quem não comparecer vai entrar pra lista negra do negrão. Assinado Zé Tatá.

Todos foram ao aniversário da menina e levaram presentes caros. Foi um dia de princesa. Nesse dia, Zé Tatá colocou seu melhor vestido.
A menina Ísis cresceu feliz aos cuidados destes dois homens de verdade. Eles a puseram pra estudar nos melhores colégios da cidade. O tempo passou, Ísis cresceu e formou-se em medicina.
"Eram uma atípica família brasileira".

Raimundo morreu aos 70 anos. Zé Tatá viveu ainda dez anos sentindo muita saudade de seu companheiro fiel. Sua filha cuidou dele até os últimos dias de vida. Os dois vieram morar no Rio de Janeiro. Ìsis, quando se aposentou, comprou um modesto apartamento na Rua Figueiredo Magalhães, onde mora até hoje. Era o sonho de Tatá, morar em Copacabana.
Muitas foram às histórias vividas por Zé Tatá e companhia. Sempre bem vestido com roupas femininas, fora a rainha das noites cearenses. Zé Tata morreu, no Rio, aos 89 anos de idade, vítima de saudade da vida.

Copacabana, 2008

Vida de Ladrão.

Essa é a história de um garçom que sonhava ser ladrão, mas não tinha talento para nada, era mesmo um azarão... Vou deixando a rima de lado e lhes apresentar um herói às avessas, Lúcio Denada. Seu nome é de fato um “prelúdio”, uma revelação. Lúcio não era de nada, não possuía nada. Não tinha uma única boa lembrança. Dos tempos de infância, o que ficou na memória era sua mãe saindo à noite para o trabalho e voltando pela manhã. Deixando o pequeno Lúcio solitário. Filho único de mãe solteira, nunca soube do pai ou de outro membro da família. Quando Lúcio completou 16 anos, sua mãe sumiu, dizem que fugiu com um motoqueiro misterioso, abandonando o menino sozinho, desta vez pra sempre. Largado à própria sorte, o menino foi crescendo. Nessa época ele trabalhava em uma padaria como ajudante de padeiro. Acordava bem cedo para misturar a farinha e não ficava pensando na vida. Apenas sobrevivia sem chorar. Morava num barraco bem pequeno na subida do morro da Glória, no Rio de Janeiro. Não era de muita conversa. Não chorava, não ria, não brigava, não reagia. Assim era a vida de Lúcio Denada. Vivia do trabalho para casa e da casa para o trabalho. Sua vida era tão sem graça, parada mesmo, que não faria sentido contar sua historia se não fosse por um fato pitoresco, um segredo que ele guardava consigo: Lúcio sonhava ser ladrão. Perdia o tempo de folga imaginando como seria sua vida de aventuras, de assaltante perigoso, bandido procurado. A cidade tremeria só de ouvir falar seu nome na TV. Doce sonho. Seria triste se não fosse tosco.
Quando ainda trabalhava na padaria, arquitetou um assalto que, para ele, seria o primeiro de muitos. Seu patrão, um espanhol com cara de pedófilo, sempre abria a padaria para os funcionários às 4:30 da madrugada. Era uma vítima perfeita. Escolheu o dia em que ele era o encarregado de chegar mais cedo e se lançou na aventura. Às 4:00h, lá estava ele. Escondeu-se na penumbra e aguardou friamente. Quando Seu Manolo, o dono da padaria, desceu do carro ele anunciou o assalto. A vítima se jogou no chão, foi o que ele pensou. Chegou mais perto e viu que o velho estava se debatendo com a mão no peito. Nessa hora, apareceu Seu Zé, o padeiro, sem saber o que tinha acontecido, tratou logo de socorrer seu patrão que estava tendo um enfarte. O garoto se desesperou e saiu correndo. Sumiu. Nunca mais apareceu na padaria. Ficou sabendo depois que sua primeira vítima havia morrido de enfarte fulminante. Nosso herói sentiu um pouco de remorso, mas sabia que não tinha culpa. O tal do Seu Manolo só comia porcaria e fumava três maços de Hollywood por dia, só podia acabar como acabou.
Lúcio procurou um novo emprego. Conseguiu seu primeiro trabalho de garçom em um bar pé de chinelo que abria as 14:00h e fechava as 2:00h. Trabalhou o primeiro mês sem muito problema, mas logo ganhou o apelido de merdinha. Não gostava nem um pouco do novo nome, mas o patrão, um português com cara de pedófilo, só chamava ele de Seu Merdinha. Não era sem motivo, todo dia ele fazia uma merdinha, quebrava copos, pratos, derrubava garrafa, dava troco errado, não cobrava direito. O portuga só não o mandava embora por que gostava do garoto. Mas sempre ameaçava:

- Oh! Merdinha, se tu quebrar mais alguma coisa vou descontar do teu pagamento.

Ele fazia tanta merdinha que até os clientes mais chegados já chamavam ele pelo apelido. Era Merdinha pra cá, Merdinha pra lá. Isso foi deixando ele irritado. A vida não podia ser pior. Foi então que ele voltou a ter vontade de realizar seu sonho esquisito. Essa vontade crescia a cada dia dentro do pacato Lúcio Denada.
Uma bela noite chuvosa, ele estava descansando as pernas, pensando como faria seu próximo roubo, fumando um cigarro no corredor que fica nos fundos do bar, onde fica a lixeira da casa. De repente, uma sirene de camburão corta o barulho da noite. Bem na esquina uns pipocos de tiros e gritos. Lúcio ficou atento, meio com medo, meio curioso. Eis que do escuro do beco aparece um homem cambaleando, estava visivelmente ferido. O sujeito caiu no chão e uma pistola prateada escorreu na direção de Lúcio que ficou parado sem reação. O ferido ainda deu uma boa olhada nos olhos do garoto, como se fosse dizer alguma coisa e morreu sem dizer nada. Lúcio pensou um pouco e antes que a polícia aparecesse pegou a arma e entrou pela porta dos fundos. Foi até sua mochila que ficava perto das caixas de cerveja e guardou o presente que acabara de ganhar. Por um instante pensou em se livrar da arma do criminoso morto, mas logo sentiu que aquela era sua grande chance. Tratou de se recompor do susto e quando a polícia começou a fazer perguntas se fez de burro e passou batido. Continuou trabalhando, mas seus pensamentos estavam dentro de sua mochila. Tanto sonhava que fez mais merdinhas que de costume. O portuga nem percebeu, estava mais preocupado com o defunto nos fundos do bar e com o entrar e sair de policiais mal encarados. Até resolveu fechar as portas mais cedo. Lúcio, aproveitando a distração do chefe, ainda roubou uma garrafa de cachaça para comemorar. Trocou de roupa, pegou sua mochila com a arma e com a cachaça, e tratou de sair fora. A chuva só aumentava, as ruas estavam como rios. Era o Rio de Janeiro mostrando suas garras. Ele se refugiou numa marquise longe da cena do crime e bebeu até apagar ali mesmo.
Acordou em casa, sem saber como tinha andando até lá. Percebeu que não estava só. Havia outro corpo na cama juntinho ao dele. Tomou um susto quando, ao virar a cabeça, sentiu sua boca encostar em outra boca. Abriu os olhos com dificuldade por conta da ressaca e viu que em sua cama estava o Paulistinha, uma bichinha magrinha que morava no barraco ao lado. Levantou de um salto só e furioso foi pondo a bicha pra fora do barraco. A bichinha ainda tentou explicar que o encontrou na rua caído e o trouxe para casa, mas que não havia acontecido nada entre eles. Lúcio nem quis ouvir e botou a bicha pra fora aos tapas, batendo a porta em seguida.
Sozinho no quarto, lembrou-se da arma e correu para ver se ainda estava na mochila. Para seu alívio e tensão estava lá. Era uma linda pistola prateada com o cartucho de bala vazio. Colocou a máquina sobre a mesa e ficou pensando, planejando seu primeiro roubo a mão armada. O relógio da parede marcava 17:00h. Estava muito atrasado para o trabalho e decidiu não ir trabalhar naquele dia. “Chutou o balde”. “Merdinha é o caralho!” Pensou ele em voz alta. Tomou um banho, comeu um pão dormido, tomou um café requentado, colocou a pistola na mochila e saiu de casa decidido. Caminhou da Glória até Copacabana. No trajeto elaborou o esquema. Escolheu uma rua deserta, sentou na porta de uma loja fechada e esperou escurecer. Sentiu um pouco de medo, de adrenalina, mas estava certo do que queria. Não demorou muito, avistou do outro lado da rua, uma senhora indefesa. Era uma vítima fácil, seria como roubar doce de criança. Tirou a arma da mochila e colocou na cintura, sentiu o frio do aço que gelou seu corpo todo. Começou a seguir a velha como um lobo segue sua caça, implacável. Quando se sentiu seguro, foi se aproximando. A rua era uma descida, não havia ninguém olhando e estava longe da outra esquina. Era o momento de atacar. Apertou o passo com decisão. Quando chegou perto e ia anunciar o assalto, a grande fala do ladrão, tropeçou numa pedra e se estatelou de cara no chão, virando as pernas por cima da cabeça. Uma queda cinematográfica. No susto, a velhinha olhou para o rapaz e ainda pode ver o tombo. Um verdadeiro caixote de asfalto.

- Meu filho, você está bem? Cuidado. Você tem de olhar por onde anda.

Ele respondeu que estava bem, apesar das dores no corpo e do corte na testa. Ela foi embora e ele ficou sentado no meio fio, sem saber se ria ou se chorava. Na dúvida só gemeu baixinho. Depois do fiasco resolveu ir para casa esfriar a cabeça. Andou de volta por quase uma hora, com uma dor fina e um arranhão ardente na testa. Chegou à Glória e começou a subir a rua que dá acesso ao morro. De longe, no escuro, na calçada, viu um par de pernas femininas. Por conta do muro, só via mesmo as pernas. Seu coração acelerou e ele resolveu fazer uma investida na mocinha indefesa da rua deserta. Sacou sua arma e foi beirando o muro acreditando no fator surpresa e no susto que dificultaria a reação. Chegou perto e anunciou com voz grave:

- É um assalto. Passa tudo e não tente nenhuma besteira ou vai levar bala...

Antes que pudesse terminar a frase sentiu um choque na cara, do soco que lhe arremessou quase no meio da rua, com as pernas por cima da cabeça, no meio de um monte de sacos de lixo. Antes de desmaiar, com um olho aberto e o outro roxo, viu que a mocinha, era mesmo uma “mossinha” enorme, um armário vestido de mulher. Para terminar o serviço ainda lhe deu um chute de artilheiro na costela e roubou a arma de sua mão. Nosso azarão apagou de tanta dor que sentiu. Quando acordou estava em casa e o Paulistinha, que novamente o tinha socorrido, estava cuidando dos ferimentos. Ele nem teve força para dizer nada. Talvez tenha dito mamãe e desmaiou novamente. A bichinha fez os curativos e deixou o coitado dormindo em sua cama. No dia seguinte, foi acordado com batidas na porta. Era o Paulistinha que vinha ver como estava seu paciente.

- Vim ver como você está. Queria aproveitar e pedir um pouco de açúcar. Estou fazendo um bolo de laranja e fiquei sem açúcar. Voce me empresta um pouco do seu açúcar?

- Entra viado.

- Não precisa. Eu espero aqui fora, não quero incomodar.

- Entra viado.

A Bichinha entrou, toda educada. Ele fechou a porta. Chegou bem perto da bichinha, acochando ela por trás e falou com voz de macho:

- Tá pensando que aqui em casa é armazém... Vai levar açúcar, mas vai levar leite também.

Disse essas palavras românticas e agarrou a bichinha paulista que não esboçou nenhuma reação a não ser um sorriso safado se entregando a seu amado. Fizeram amor à tarde inteira como dois amantes selvagens e livres. Hoje, passados dez anos, os dois ainda vivem juntos, num barraco um pouco maior. Paulistinha arrumou um emprego para Lúcio de garçom em bife de festa. Até onde eu sei estão muito felizes. Se pudessem até teriam filhos. Ele esqueceu, pelo menos por um tempo, o sonho de ser criminoso.
Como eu sei dessa história toda? Adivinha!

Pedro Pedreira – O Rei da Quebrada


Pedro Pedreira era um menino esperto, sagaz. Morava na quebrada, vivia soltando pipa na laje de casa, de vez em quando caía, mas ninguém sabia. Pedreira não era de levar choro, nem desaforo pra casa, resolvia tudo na rua, no grito e, às vezes, no sopapo. Se o negócio fosse para esse lado, era pernada e outros golpes que aprendeu com o mestre Chapeleta, um capoeirista considerado na quebrada. Por falar na quebrada, segue o nome da comunidade, Vila Ribeiro, lugar onde o bicho pega e coisa ruim não se cria. Lugar de sujeito homem, mesmo se tu for viado ou mulhé. Se não ficar esperto, vai pro saco mais cedo. Pedro, Pedreira, Pedroca, Preto, Petroca... O nego tinha um apelido em cada cantinho da favela, da comunidade carente...

- Carente mermo, farta tudo, não tem luz que preste, água fede e o esgoto tá ai mermo, na tua cara.

Assim dizia, gritava dona Branca, mulher estrepada, metida com feitiçaria, que de branca só tinha o nome. Era uma senhora bem pequenininha, negra, mas negra, tão negra, que quando faltava luz na quebrada a velha sumia que ninguém via. Ainda bem que sorria; aí os dentes luziam e todo mundo da velha corria. Tempo bom esse! Depois tudo muda, não é justo mudar pra pior e ainda mais pra mim que tô aqui vendo o sol nascer quadrado, detrás das grades, embucetado, amarrado até a alma... Merda de vida de presidiário. Mas onde parei com a prosa? Falava do Pedro, do Pedro livre, Pedro Maluco e perigoso. Pedro foi crescendo na quebrada e era respeitado pelo seu vigor físico de decisão. Ou era como ele queria ou tu ficava e ele ia ( tá ligado?). Mas pra encurtar essa história, vou contar de uma vez só, que Pedro, o Pedreira, tinha medo de uma coisa... Por mais macho que fosse e é, morria de medo de mulher... Toda vez que as meninas queriam uma conversa mais íntima com ele, o bicho tremia. A molequeda estranhava.
- Porra, Pedro, Deinha tá te dando maior mole e tu aí com essa cara de não sei não. Mete a pica nela, ou tu é viado?
- Não é assim não, mulher muito oferecida quer logo arrumar barriga, tô fora.
No fundo, Pedro se borrava de medo de fazer sexo, era virgem, ficava com vergonha da coisa não funcionar direito, de amarelar e depois as mulheres contarem pra todo mundo que ele era broxa. Tinha um medo que se borrava, dava gagueira, calafrios e o escambau. Um belo dia, foi morar na comunidade, uma negrinha, magrinha, rostinho de anjinho, coisinha de capa de revista, linda. Os rapazes da quebrada ficaram loucos. Mas ela já conhecia a fama do Pedro que nessa época já era traficante procurado, tesoureiro da boca, nunca tinha sido preso porque era importante no movimento, já que não usava droga, era bom de matemática e escrevia muito bem, era o compositor oficial da escola de samba da quebrada... Pedro tinha contexto, era bem chegado, andava sempre bem arrumado, tipo de bom partido da favela. Essa molecada, boa assim, só vai presa se vacilar. Só sei que a mina se amarrou no negão. Quando Pedro ficou sabendo disso, ficou todo feliz. Ela era uma mulher linda, então ele só andava na beca, mais ainda... De perfuminho e tudo. Um dia a menina passou perto dele e disse:

- E aí, Pedrinho, quando é que você vai aparecer lá no meu barraco pra pedir minha mão em namoro pro meu velho, de quebra tu ainda vai levar o resto do corpo, tá esperando o quê? Convite?

Pedro não conseguiu falar nada, ficou branco de vergonha. Os amigos sempre na cola de Pedroca.

- Qual é Pedro? Tu tá arregando pra Fatinha também? A mulhé tá doida na tua... Ou tu pega ou sai de cima! Ela falou que enquanto você não dé a negativa ela se guarda pra tu. Porra negão! Se tu não quer, passa a bola, porque tem que quer. Tá ligado.
Pedro queria, até sonhava com a Fatinha. Um dia sonhou que eles foram passear na praia e tinha sido ótimo, os dois na areia, correndo, feito dois pombinhos apaixonados. Acordou de pau duro, tocou uma punheta pensando nela. Mas, na real, ele não sabia o que fazer... Nunca tinha beijado uma mulher, sexo então, nem se fala... Tremia de medo... Deve ser coisa de família, trauma. Sei lá. Ele não falava disso com ninguém, mas sempre pensava na mãe dele. Quando ele era bem pequenino, a mãe ganhava uns bicos fazendo a felicidade da coroada da comuna, ali mesmo no barraco, na frente das crianças. Toda a noite era a mesma coisa. Fingia dormir, mas ficava lá, espiando a mãe ser enrabada. Só podia ser isso. Mas essa mulher, a Fatinha, mexeu fundo e ele precisava tomar alguma providência.
- Porra, tô fudido. Mas eu sou bacana, tem que dar certo... Vou me arrumar. Botar uma beca legal, um tênis da hora, meu melhor relógio e vou encontrar essa mulhé no ponto de ônibus, eu sei que horas ela chega do curso.
Dito e feito, quando deu seis horas, ele ‘tava lá... Todo nervoso ensaiando o que dizer. Quando Fatinha desceu do ônibus, ele ficou tão alvoroçado que ficou com vontade de ir ao banheiro, soltar um barro... Correu no boteco mais próximo e foi aquela desgraça. Limpou o cu sujo e correu para alcançar sua amada. Nesse tempo Pedro só andava armado na quebrada, uma prateada pra ganhar respeito e outra pra se proteger, nunca tinha matado ninguém, mas sabia que tinha que ficar ligado na competição. Correu e atravessou a viela. Antes de virar na rua onde estava a Fatinha, viu uma luz de sirene de camburão, barulho de porta, falação. Se escondeu no escuro e ficou espiando... Viu os policiais encostarem a menina na parede. A cena era a seguinte: Os policiais, três policiais, rindo, chamando a menina de putinha, que não tinha escapatória e que ela tava no papo. Entre eles, havia um conhecido, sujeito mau pacas, o famoso Beicinho Rachado, era candidato a vereador da quebrada e tava envolvido com esquema das milícias... Beicinho adorava bolinar as meninas da quebrada, principalmente as novinhas; tinha um monte de filho bastardo dele na favela. A molecada da quebrada era doida pra pegar o safado, mas todos sabiam que matar cana era caldo quente e merda fedida. Pedro ficou só ouvindo o entrevero do polícia com a menina.

- Aí piranha. O negocio é o seguinte, tu vai dar uma volta de carro com a gente, vai ter que ser gostosa com todo mundo que a gente tá de estresse e quer dar uma pra relaxar, nem adianta chorar que nenhum filho da puta aqui da quebrada vai fazer nada, tá tudo dominado, nós que manda aqui, somos das miliça, tá sabendo? Já ouviu falar das miliça, somos nós... Tu até vai gostar, vai querer repetir e tudo (risos).
Pedro viu quando dois homens se aproximaram da menina enquanto o Beicinho abria a porta de trás do camburão... Antes que os caras pudessem dizer alguma coisa, Pedro tomou coragem, sacou a arma e quando menos esperava já tinha derrubado dois com tiros certeiros na cabeça. Beicinho pulou aos gritos para dentro do camburão. A menina correu feroz e sumiu no escuro. Dona Branca, de longe, deu uma gargalhada de arrepiar cabelo de cu de macho. Pedro descarregou a arma na direção do navio negreiro, como é conhecido o camburão. O sangue escorreu pela porta até o chão, era um rio vermelho de sangue de filho da puta... Pedro correu rápido. Sabia que a merda era feia, se pegam ele ali na favela era morte certa e sem arrego. Chegou em casa, pegou uma mochila, encheu de biscoito, outras coisas pra comer e partiu veloz. Na saída da favela olhou para trás e a Fatinha tava vindo, ela olhou pra ele, abaixou a cabeça e correu chorando... Nunca mais Pedro iria ver aquela mulher, tava fadado a morrer virgem, mas pra ele tanto fazia àquela hora. Seguiu para estação de trem e de lá pode ver todo alvoroço, um monte de carro de polícia chegando, tiro pra todo lado. O trem chegou, Pedro vazou. Não havia mais o que fazer, a matança iria ser geral. Pedro achou que era covardia fugir e deixar os irmãos morrerem sozinhos, então desceu do trem na outra estação e voltou a pé beirando a linha. A esta hora, vagabundo já tinha dedado ele pros home... Antes de chegar à favela, um opala branco se aproxima com dois carcamanos da civil de armas pra fora do carro, logo depois um camburão. Pedro, como relâmpago de Xangô, ainda mata os caras do opala branco, sem que eles dessem um tiro. O camburão chega veloz por trás e atropela o garoto: 18 anos passaram na cabeça dele como flash. Só acordou no hospital, todo fudido. Tava cheio de repórter, dizem que não mataram ele na hora porque tinha TV em cima. O jornalista dizia em tom de reportagem:
- Preso o perigoso assassino de policiais, Pedro Pedreira. O bandido foi ferido, deu entrada no Souza Aguiar com múltiplas fraturas pelo corpo. No confronto o assassino ainda matou 5 policiais. O delegado diz que Pedro é procurado por mais de 45 assassinatos, voltamos a qualquer momento ao vivo aqui do hospital.

Pedro podia ouvir tudo isso, com seu corpo doendo e olhos fechados. Apesar de nunca ter matado ninguém até aquela noite, era conveniente que colocassem vários crimes nas costas do garoto. Afinal, seriam 45 crimes resolvidos. O delegado filho da puta disse com orgulho:
- Foram meses de investigação, quando tudo estava definido, invadimos a favela pra caçar este bandido perigoso, o rei da quebrada. Muitos inocentes acabaram sendo mortos ou feridos. Pedimos desculpas para todos da comunidade, mas a gente tem que se defender da bandidagem que mata polícia. Hoje morreram, no cumprimento do dever, cinco pais de família. Isto tem de acabar e nós estamos fazendo nosso trabalho com inteligência para que todos do bando de Pedreira sejam presos.
Dos olhos fechados de Pedro caíam lágrimas de ódio.
O tempo passou e passou. Só sei que hoje, tô preso, aqui em Bangu, eu mesmo, Pedro Pedreira, prisão de segurança máxima. Pra minha sorte, matador de poliça aqui é herói, então tiro onda. Aquela filha da puta, a Fatinha, nunca veio aqui nem para dizer obrigado. Fiquei sabendo que já tá no quarto filho de um monte de pai. Dei mole, mas também, esses putos queriam o que? Fogo neles! Aquele negócio de medo de mulher passou. Hoje nem sou mais virgem, os caras da quebrada, em dia de visita, sempre trazem um presentinho pra mim, visita intima (tá ligado?). A primeira nem foi tão ruim assim. Um dia conto pra vocês meus casos de cadeia, contos eróticos de um presidiário. Peguei pena máxima. Quando sair daqui, vou acertar contas com aquele delega filho da puta e com a putada que me dedou. Sou Pedro Pedreira, maluco e Perigoso.